A verdadeira vida é espiritual, visto que todos são espíritos, embora encarnados, enquanto que a matéria é ilusória, passageira, de duração relativamente efêmera e de valor secundário. — Luiz de Souza

A Renúncia - Por Luiz de Souza

A falta de renúncia no indivíduo dá testemunho de que as atrações terrenas estão ainda falando alto no seu íntimo. Os renunciados são aqueles para quem os prazeres mundanos estão sepultados. Para estes, nenhum temor os atinge. O renunciado consciente não é um desiludido, um apático, um indiferente, mas um convicto na vida eterna, no poder supremo, na evolução da alma. Sabe distinguir o efêmero do permanente, o ilusório do realismo, a vida espiritual da material.

A crosta da Terra está em constante transformação. Rios mudam o seu curso; terras emergem, enquanto outras descem para o fundo dás águas; cidades desaparecem corroídas por influências telúricas, ou soterradas por tremores sísmicos; os seres deixam os seus corpos físicos para que estes sejam transformados em pó, e de cada indivíduo milhares desses corpos sofreram essa decomposição.
No entanto, ninguém sente apego por eles, porque a sua memória está apagada na voragem dos tempos que foram; portanto, nada justifica o apego às coisas passageiras, que são todas de ordem material. O renunciante venceu o apego, por saber que não vale a pena prender‑se às coisas que hoje são, e amanhã deixam de ser.

Isto mostra a precariedade das posses terrenas. Não se deve, pois, ter apego ao que é precário, ao que é da Terra e na Terra fica. A alma do renunciante está voltada para o que não perece nunca, para o tesouro do espírito, para a grandeza da evolução universal.

Somente aqueles que possuem pleno espírito de renúncia, estão habilitados a prosseguir na sua evolução, sem necessidade de reencarnar neste planeta. Ao contrário, os que sentem que a Terra ainda lhes pode oferecer algo que desejam experimentar, estão ligados ao sentimento de apego e deverão voltar para satisfazer tal anseio.

O desejo é uma força que pede consumação , e os que estão apegados a alguma ansiedade terrena, desejam viver na Terra até se saturarem dela. Daí a necessidade de haver reencarnações, para que todos se possam saturar das ilusórias oferendas que a Terra tem para distribuir.

Nessa saturação entram em jogo o egoísmo, a vaidade, a presunção, a pretensiosidade, o orgulho, a ostentação, a prepotência e demais atributos negativos, até que todos sejam queimados no cadinho do sofrimento. O renunciado passou por toda essa prova e superou esse estado de inferioridade espiritual em que se encontram os apegados.

Para saber‑se se o indivíduo ainda é candidato, por muitas encarnações, ao retomo à Terra, um dos meios é examinar ele o seu interior, para verificar se lá, escondido, não se encontra um desejo ou uma atração terrena na dependência de serem satisfeitos.

Uns querem viver, ainda, num palácio; outros desejam cargos importantes; há os que anelam receber ovações das platéias; o sentido da ostentação predomina em muitos, e a vaidade, noutros, desperta ansiedades não correspondidas.

Estes, por não terem atingido o estado da renúncia, devem voltar à Terra, talvez muitas vezes, para esgotar nela as quiméricas aspirações.

Há os que fazem uma renúncia forçada em protesto a desilusões mundanas mas esta, espécie de renúncia não dá testemunho de libertação. Ela deve ser espontânea, natural, conscienciosa, traduzindo um verdadeiro reflexo de amadurecimento espiritual.

O renunciante sente, no seu íntimo, que a verdadeira felicidade repousa em motivos eternos, e não nos acontecimentos efêmeros, passageiros e ilusórios.

O ser mundano está sempre correndo atrás da felicidade, sem nunca atingi‑la, porque ela não reside nas encenações fortuitas dos painéis terrestres, mas na aura espiritual, que é a vibração cósmica universal. A entonação da partícula inteligente, com tal vibração, renova o estado d'alma e dá‑lhe a conhecer, por sentimento, a natureza astral ou o verdadeiro sentido da vida.

A renúncia atesta um estado de evolução superior àquele dos que a não possuem ou a demonstram em menor parcela.

Jesus, por ter oferecido, além das palavras, exemplos, foi um renunciado pleno das ofertas do mundo. Podendo, pela sua inteligência e saber, conquistar tudo quanto dispõe o poder temporal, deixou-se ficar, com a sua túnica e as suas sandálias, na companhia de humildes pescadores.

É que ele veio, apenas, dar esclarecimento aos homens, sem se importar com o que a Terra lhe pudesse oferecer. Apresentou, assim, um alto padrão da renúncia, para que todos a possam reconhecer.

Não significa esse exemplo que os que seguem os seus ensinos, revividos pelo Racionalismo Cristão, devam andar de túnicas e sandálias, rodeados de pescadores. O panorama daquela época não é o de hoje. Dois mil anos nos separam daquelas paisagens. O que não sofreu alteração, e nem pode sofrer, é o espírito de renúncia, que é abstrato e íntimo. Esse espírito acompanha o seu possuidor, como atributo indestacável da sua natureza espiritual.

Jesus, se hoje estivesse em corpo físico, neste ambiente terráqueo, teria que vestir‑se como qualquer outro, usar o trem, o automóvel ou o avião para a sua locomoção, e habitaria onde, e como melhor lhe conviesse, uma tenda ou um palácio, sem abdicar, em hipótese alguma, do seu imanente espírito de renúncia.

Os atributos espirituais conquistados o foram para a eternidade, não havendo a menor possibilidade de perdê‑los. Por isso, o renunciante, depois que adquiriu esse tesouro, que é a renúncia, terá tal riqueza ao seu dispor, por todo o sempre.

O valor da renúncia só o conhece quem o possui porque não é gênero que se possa dar a saborear.

Renuncia, na vida terrena, quem deixa altruisticamente o melhor para o seu semelhante; quem sacrifica o seu bem‑estar em favor de quem dele mereça e mais precise, sem fazer‑se de mártir: o pai que restringe os seus benefícios em prol da saúde e melhor educação dos seus entes; a mãe que moureja ao lado dos seus rebentos, para que nada lhes falte ou de mal aconteça; renuncia aquele que se priva do bem que merece para atender a um labor de aproveitamento coletivo; aquele que venceu, totalmente, o apego às coisas da Terra; aquele que põe de lado as suas conveniências, quando considera maiores as da comunidade; aquele que se sente satisfeito com o que tem, sem deixar, contudo, de se esforçar por melhorar e progredir em todos os terrenos; aquele que não sente mossa na alma pelo que os outros possuem de melhor; aquele que sabe que não pertence a este mundo.

A renúncia retempera a alma diante dos sucessos ou insucessos. O renunciante encara a vida com serenidade, não exagerando os fatos. Olha para o futuro, sem temor, porque as perdas materiais têm, para ele, valor relativo. A sua estrutura espiritual é vigorosa e ativa; é um ser esclarecido.

Almas renunciadas do Astral Superior trabalham em corpo astral, junto do orbe, e somente encarnam em missões especiais. As vibrações do mundo não produzem nelas o menor atrativo, não se comprazendo com os gozos terrenos, visto como, além da própria índole, mantêm contato permanente com esferas mais altas, de onde lhes vêm influências para maior apuração dos sentidos.

As almas hoje renunciadas obtiveram o espírito de renúncia neste mundo‑escola, de encarnação em encarnação, aos poucos, com paciência e perseverança.

Muitos há na Terra que se encontram, já, com bom acervo desse predicado, enquanto outros se mostram pobres dele; é que os primeiros mais próximos se acham de uma vida nova, em outro mundo melhor, enquanto que os segundos precisam estagiar, por mais tempo, nesta oficina terrena.

O objetivo do Racionalismo Cristão é apontar o caminho; e revelar os pontos que deverão ser atingidos na senda da espiritualidade. A renúncia é uma dessas metas. Quanto mais for dado realce a esse aspecto do problema, tanto melhor será ele encarado e resolvido. Muitos custarão a despojar‑se das teias que os amarram às idéias de posse, mas o importante é reconhecer o estado do seu próprio espírito, e caminhar, com segurança, sobre a rota da emancipação.

Todos estão na Terra para se espiritualizarem, e se ela não estivesse preparada para fornecer os meios para esse fim, então seria uma estultícia virem os espíritos a encarnar nela, onde perderiam tempo. Mas como não há nada mal feito no Universo, e tudo obedece a leis sábias, é debaixo dessa ordem que os seres vêm à Terra para se espiritualizarem. Entre as várias matérias que o curso terreno oferece para a criatura alcançar aquele resultado, está o aprendizado da renúncia. Logo, quanto mais depressa for absorvida a lição, tanto melhor.

O Racionalismo Cristão é como que um facho de luz que ilumina, graciosamente, a estrada. Os seus servidores deixam de lado as diversões, o comodismo, o bem‑estar, para servir à Causa e, abnegadamente, ajudar os que querem ver com os olhos da alma as realidades da vida, numa sincera e honesta demonstração de renúncia.

A Renúncia
Por Luiz de Souza

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